Une leçon clinique à la Salpêtrière André Brouillet, 1887.
- Marlyvan Moraes

 - 23 de jul.
 - 2 min de leitura
 
Atualizado: 27 de jul.

O que me chama atenção nessa pintura, muito mais do que o corpo desfalecido da histérica, é o modo como os olhos do médico hipnotizador são pintados. Me lembra a escuridão ameaçadora anunciada anos depois pelo Expressionismo Alemão. As sobrancelhas são grosas, o rosto é sério e taciturno. O escuro que lhe dá forma anuncia uma situação estranha ou no mínimo misteriosa.
A presença da mulher parece ser apenas um subterfúgio para que ele se torne o centro das atenções. Nenhum dos homens da platéia olha para ela. E talvez isso não seja mesmo importante. O que interessa aqui é comprovar as explicações sobre a histeria como um exercício de pesquisa onde o objeto (sim, a mulher neste caso é um objeto, como são os objetos das ciências exatas) poderia ser manipulado para caber no decalque do pensamento do médico sobre o fenômeno estudado.
Essa cena ocorria no hospital Salpêtrière, construído no século XVII na cidade de Paris, onde antes existia uma fábrica de pólvora. O nome deriva da palavra francesa salpêtre, um ingrediente da pólvora, e foi projetado para a detenção de pessoas pobres, desocupadas, mendigos e marginais.
A histeria é uma história e um feito masculino sobre mulheres silenciadas, proibidas de realizar seus desejos que, encruados explodiam em sintomas físicos capazes de entortar seus corpos em convulsões que revelavam o que não seria socialmente permitido. Talvez essa fosse a única forma de escapar da opressão do poder do patriarcado. Charcot as hipnotizava e assim elas podiam acessar seu próprio inconsciente e o que estava severamente reprimido.
A mulher histérica, nesta cena, tem o mesmo valor da outra do quadro na parede. Ela é coadjuvante de uma situação montada para confirmar o que o médico afirmava a partir de sua autoridade, baseando-se em uma ciência voltada para o corpo orgânico onde esses sintomas eram reveladores de disfunções associadas a órgãos específicos. Essa mulher é pura ilustração de uma ciência masculina, em plena Paris do século XIX, quando a elas restavam papéis sociais e afetivos modulados por proibições que as colocavam em lugares inferiorizados e patologizados.
Muito mais poderia ser dito, sobre tudo isso, mas agora não posso. O meu Salpêtrière, mais conhecido como cidade de São Paulo, me convoca.




